segunda-feira, 23 de maio de 2011

Entrevista para o LIVREVISTA


















por Camila Fernandes camilafernandesdeoliveira@hotmail.com Aqui o link

Gabriel Renner vive em seu estúdio, Estúdio Pinel , como escolheu chamar. “O estúdio é também o meu quarto, então, trata-se de um lugar muito particular. Quando faço um trabalho, posso colocar uma música que me empolgue, posso fazer um "air guitar" e ficar só de cueca buscando inspiração ou um bom clima para trabalhar.” Particular também é seu trabalho. Gabriel desenha desde criança e só demorou para se entregar a arte por temer a falta de “perspectiva profissional”. Hoje é ilustrador e infografista do jornal Zero Hora além de fazer ilustrações ocasionais para a editora Abril. Seu estilo próprio também pode ser reconhecido em seu site e no curta “O paradoxo da espera do ônibus” exibido na vídeo-instalação Filme-Cíclicos, para o qual fez as ilustrações.

Como veio a percepção de que seu talento estaria na ilustração?
Desenho desde pequeno. Cresci ouvindo que poderia ser arquiteto ou projetista e coisas do gênero. No fim do primeiro grau, existe aquela pressão sobre "o que você vai fazer da vida", justamente numa fase onde a única coisa em que não se quer pensar é no futuro.Com isso, me matriculei em eletromecânica numa escola técnica de São Leopoldo, assombrado pela possibilidade de que poderia sair de um segundo grau normal sem perspectivas profissionais. Me joguei num mundo sério e responsável.
Terminei o curso, passei “nas coxas”, vi que não tinha muito jeito pra coisa, porque era muito lento com cálculos. Temi um futuro desgraçado na área. Fiz meu estágio no parque gráfico de um jornal da minha região, na manutenção das impressoras rotativas. O mais bacana dessa história é que trabalhei com alguns engenheiros da Alemanha, que estavam implantando uma nova unidade impressora, e conversando com eles (usando meu dialeto colonial do Vale dos Sinos) acabaram me incentivando a seguir o caminho que gostava.
Acontece que, durante esse período de estágio, praticamente todo ocupado com a montagem dessa unidade gráfica, eu desenhei uma história em quadrinhos que contava o processo de trabalho envolvendo os alemães, meus chefes e os colegas de equipe. A HQ virou um sucesso interno, que se tornou meu portifólio para ingressar na redação deste mesmo jornal, onde, na prática e no batente, aprimorei as técnicas de desenho batendo cartão na editoria de arte.

Você trabalha com ilustração, quadrinhos, infográficos, há uma das atividades que lhe traga mais satisfação?
Gosto muito do trabalho como ilustrador, principalmente do fato de ter o estilo reconhecido. Mas gosto muito dos personagens dos meus quadrinhos, acho legal mesmo dar vida e texto pra essas figuras, é como se reencontrasse os amigos. Achar uma boa ideia pra uma tira de três quadros é uma das coisas que mais me dá satisfação.

Eu li que houve uma época em que o cabelo comprido dificultava na busca de um emprego. Depois, já foi convidado para dar palestras em universidades. O que mudou?
A aceitação depende do meio, ou o cabelo faz mais parte de sua identidade agora? Quando procurei o estágio pra mecânica, andava com camisa pra dentro das calças e gel no rabo de cavalo. Várias foram as situações em que teria de cortar o cabelo, mas, felizmente, escapei de todos estes empregos graças ao fato de não ter sido liberado pelo quartel na época. Hoje a aceitação é tranquila, porque tenho um trabalho mais consolidado, que chega antes de mim na hora da apresentação. Naturalmente, quando chego como cabeludo, o trabalho já se prontificou a fazer o meio de campo.

"O conflito entre os sonhos que tenho na cama e as contas que chegam por debaixo da porta proporcionam o entrave psico-criativo que resolvo sob a mesa de desenho." É muito diferente desenhar pelos sonhos de desenhar pela pressão das "contas que chegam por debaixo da porta"?
Desenhista pra sobreviver tem que fazer um monte de coisa sem graça, desenho publicitário que segue tendências de modinhas, etc. A gente se esforça e nunca tá bom pro cliente. Então, mesmo trabalhando com desenho, desenhava por hobby, e esses desenhos sempre foram os meus preferidos, porque eram sobre o meu universo, tinham o traço imperfeito, as expressões difusas, etc. Com o tempo, juntei esses desenhos de sonhos e montei um portfólio. Aí, passei a ser chamado pra desenhar naquele estilo, especificamente, e foi quando comecei a unir o sonho com a realidade.

Para aqueles que veem no desenho seu talento, alguma dica para seguir nessa área e ainda superar as "contas"?
Quando comecei a realmente investir nesse ramo, fiz uma espécie de voto de pobreza, onde decidi que viveria essencialmente motivado pela satisfação. Ao mesmo tempo, pude me dedicar a comprar mais livros de quadrinhos, que geralmente são caros, e passei a ver isso como um investimento. Com o tempo, pude perceber que aquilo que se faz com dedicação, geralmente acaba trazendo retorno.
Os personagens que usa em suas histórias vêm todos do seu cotidiano?Todos eles têm referências pessoais. As fadas Ltda, tem uma grande representação filosófica para mim, porque são seres lúdicos em uma vida terrena, que trabalham de fadas, porque tem que pagar o aluguel. É algo parecido com o desenhista, que depois que entra pro mercado, percebe que nem tudo era do jeito que imaginava. E tem a fada boa e a fada má, então ali tem os contrastes e a dualidade de valores éticos e de caráter. E cada uma delas está certa, no seu ponto de vista.
O Homem Parasita é um personagem que é mais ou menos um alter-ego, mas que abraça qualquer situação. Pego coisas externas pra ficar engraçado. Houve uma época em que desenhava alguém parecido com algum amigo, com uma frase dita por tal. Depois vinha a cobrança! "Pô, eu não penso assim!" Aí, passei a assumir as mancadas dos outros também com a minha cara. Trabalho muito com a vergonha alheia. Na real, é por isto que o personagem usa uma espécie de máscara.

É muito diferente desenhar para ser impresso de desenhar para ser publicado na internet?
O impresso tem todo aquele romance de pegar a revista e folhear até achar o trabalho, enquanto sente aquele cheiro gostoso de tinta e papel. Eu sempre compro duas revistas de cada coisa que publico. Uma pra degustar, e outra pra guardar, bonitinha. A internet tem a vantagem de não ter limitação de cor, tamanho, periodicidade, etc, e o que ajuda a tornar o trabalho mais abrangente. No meu caso, ajuda a publicar o trabalho autoral. Eu só lamento pelo fato de que na internet, as coisas se perdem no nada, enquanto que o impresso, sempre permanece fisicamente em algum lugar, mesmo que numa gaveta velha e esquecida, cheia de traças, esperando por alguém que a arrume.

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